domingo, 1 de março de 2009

Alegria

Vânia Moreira Diniz
Realmente é muito difícil lembrar as sensações de alegria com exatidão. Não sei porque elas não guardam na memória a mesma intensidade. O mesmo valor intrínseco das tristezas, das decepções ou da saudade.

Recordo-me, no entanto de um fato passado na minha infância que me marcou tão profundamente que jamais esquecerei. Ainda hoje sinto a mesma sensação como se os anos tivessem regredido e eu me encontrasse naquele dia especial.

Era muito pequena e tive um pesadelo estranho. Via em meu sonho meu pai deitado fechando os olhos enquanto todos choravam em volta dele. Creio que o que sentia durante aqueles momentos era um efeito de angústia demasiada para uma criancinha. Minha impressão era de desamparo e apesar de tantos e tantos anos passados ainda recordo e praticamente sinto aquele sofrimento indescritível.

Acordei então com alguém segurando meu braço e passando a mão em meus cabelos numa impressão indefinível de conforto e ao acordar deparo com os enormes olhos azuis de meu pai fitando-me enquanto dizia:
-Acorde. Você sonhou!

Olhei-o estupefata sem compreender o que estava acontecendo, mas num delírio de felicidade que não podia controlar. Lembro-me bem disso. E chorando de pura alegria abraçava meu pai perguntando-lhe se ele estava vivo.

Jamais esquecerei sua expressão e a alegria que parecia não caber dentro do meu peito. Senti que a vida era boa e deixei que as lágrimas descessem já nem me importando o que estava acontecendo ao meu redor sem saber se estava rindo ou chorando.

Meu pai sentou-se em minha cama e explicou que eram comuns essas imagens no sono profundo dependendo do que se vira ou ouvira durante o dia. Mas recordo-me que embora estivesse compreendendo o que ele falava o que importava naquele momento era a musicalidade de sua voz grave e forte. E sua presença. Isso eu tinha consciência.

Senti uma sensação de júbilo que só depois de passados muitos anos soube definir e que no momento a nada se comparava. Olhava-o com a sensação de segurança que só sua presença podia me dar naquele momento esquecida que estava aos gritos momentos antes e talvez nem me lembrasse mais disso.

Sempre ao encarar a vida e receber uma notícia ruim ou dolorosa me vem á cabeça essa cena e tenho a esperança que a tristeza depressa se desfará e a felicidade voltará a brilhar com intensidade. É algo muito forte e incompreensível. Mas posso assegurar que gostaria de poder sempre sentir aquela impressão de enorme ventura que um dia na minha infância encheu a minha noite de ternura e da certeza que Deus não nos abandona nas piores horas.

Claro que isso acontece na vida de todos nós. Só precisamos fazer disso algo que nos ensine a transformar fatos corriqueiros, porém intensos momentaneamente em uma experiência enriquecedora.

Muitas vezes não mais houve a presença apaziguadora de um fato positivo quando eu estava sofrendo, mas a recordação daquele dia valeu por toda uma vida pela percepção de uma alegria sem limites e inesperadamente salvadora.

Ela valeu para me mostrar nos primeiros anos de minha vida, sem, no entanto saber definir, que a vida é feita de contrastes e não existe sol sem chuva, na existência. Eu não entendera a lição naquele dia, mas valeria para que nos anos vindouros eu percebesse o valor da alegria legítima e profunda. E entendesse isso de uma maneira abrangente e peculiar.

Vânia Moreira Diniz

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